O Departamento Nacional de Trânsito, Denatran, levantou dados que mostram que o Brasil conta, atualmente, com 12.217.332 motoristas ativos acima de 61 anos. A Organização Mundial de Saúde, em 1984, no Relatório do Grupo de Especialistas sobre Epidemiologia e Envelhecimento, definiu que a idade de 60 anos caracteriza o cidadão como idoso. Isso significa que o número de idosos no trânsito é bastante significativo.
Mas a idade impossibilita o indivíduo de conduzir um veículo?
O Código Brasileiro de Trânsito prevê a idade que inicia a concessão para a direção veicular, que é de 18 anos, porém não determina um limite para encerrar tal atividade. Porém, segundo especialistas de trânsito, dirigir um veículo não é um procedimento tão simples, como muitos imaginam. Para uma direção considerada segura, o motorista depende de três funções que são básicas:
• A cognitiva, que é ligada ao raciocínio, entendimento, memória, comunicação, atenção, concentração e respostas imediatas;
• A motora, que responde pela liberdade de movimentos, rapidez, força, agilidade, coordenação;
• A sensório-perceptiva, que envolve a sensibilidade tátil, visão, audição e percepção.
Porém, as funções destacadas acima consistem em uma parte das questões que precisam ser bem avaliadas. Existem outros fatores de risco no ato de dirigir. Questões relacionadas ao meio ambiente e o estresse interferem no organismo, podendo causar distúrbios agudos e processos degenerativos que repercutem sobre a direção. Segundo o Dr. José Heverardo da Costa Montall diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, “quando se é portador de doenças primárias como hipertensão arterial, diabetes, doenças ósteoarticulares, distúrbio mental e emocional, doenças metabólicas e outras, certamente terão agudização desses processos, comprometendo as funções essenciais para a atividade”. Na verdade, cada organismo possui sua singularidade, uns são mais propensos a certas doenças e outros não; esses fatores que irão limitar a idade para a realização de tal atividade. É importante, para garantir a segurança no trânsito, que haja uma avaliação médica periódica, em função de processos degenerativos, a intercalação de sinais e sintomas e o aparecimento súbito de doenças, comuns nesta fase da vida. Uma pesquisa, em andamento, elaborada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo aponta que 40% dos motoristas acima dos 60 anos respondem de forma mais lenta ao volante, em relação aos que têm até 50 anos. E apenas 3% das pessoas do grupo avaliado pela Instituição foram multados ou se envolveram em algum tipo de acidente de trânsito em 2012. Dados esses que mostram que os idosos são mais prudentes, além de ter mais experiência no volante; entre os homens, a média do tempo de direção é de 48 anos, aproximadamente e as mulheres são habilitadas há 40 anos, segundo dados coletados pelo HC. Segundo o Departamento de Trânsito do Paraná, o idoso tem o perfil de um motorista educado e cuidadoso, atencioso às leis de trânsito e que conduz de forma segura. Mas algumas atitudes podem reverter esse perfil, em função das características dos motoristas brasileiros. O nervosismo no trânsito por parte dos mais jovens exige do idoso grande habilidade psicomotora na interação de estímulos e respostas imediatas, requerendo atenção redobrada. Observando por este ângulo, a direção veicular pode se tornar mais complexa de ser realizada na terceira idade, principalmente se o idoso apresentar algum problema de visão. Enxergar bem é primordial para conduzir um veículo, visando à segurança de quem conduz e de todos que estão à volta. Para controle desse aspecto, no Brasil, é obrigatória a realização de exame oftalmológico por médicos ligados à Associação Brasileira de Medicina de Trânsito. São realizados, também, os exames de Aptidão Física e Mental e Avaliação Psicológica, previstos em lei. No caso dos motoristas com idade até 65 anos, é preciso renovar o exame a cada cinco anos; acima desta idade, a periodicidade é de três anos. Em relação à categoria profissional da CNH, há para o idoso a exigência de visão máxima, em ambos os olhos; caso seja detectado o contrário, ele só poderá ter a concessão na categoria de motorista amador.
Catarata:
Segundo a Organização Mundial de Saúde, 50% dos indivíduos com idade entre 65 e 74 anos têm catarata; o número aumenta para quem tem acima de 75 anos (75%). Esta patologia é a principal causa de cegueira tratável nos países em desenvolvimento. Existem 161 milhões de deficientes visuais no mundo, e a catarata é responsável por 47,8% de todos os casos (dados da OMS). As dificuldades visuais provenientes da catarata têm potencial de interferir na realização de algumas atividades e podem levar à diminuição da acuidade visual, aumentando os riscos de acidente no trânsito. Além disso, a opacificação do cristalino pode diminuir a sensibilidade ao contraste e redução do campo visual, resultando no aumento dos riscos, mesmo quando o problema acomete apenas um olho. Segundo estudos, motoristas com catarata tem risco de 2,5 vezes maior de se envolver em acidentes de trânsito, com relação aos que não tem o problema. A acuidade visual, sensibilidade ao contraste e recuperação ao ofuscamento tendem a reduzir em pacientes que passaram por cirurgia. De acordo com artigo publicado no site da Abramet, dificuldades para dirigir à noite ou ao entardecer e estimar distâncias decresceram de 82% no pré-operatório para 5% no pós-operatório de pacientes que se submeteram à cirurgia de catarata.
Glaucoma:
No caso da perda de fibras retinianas periféricas, o campo visual diminui até se tornar “tubular”, características de estágio avançado da doença. Essa diminuição visual periférica limita a percepção visual, causando prejuízo à direção veicular. O glaucoma é a principal causa de diminuição de campo visual em idosos. Em relação ao trânsito, pode aumentar o número de acidentes porque o motorista com glaucoma pode não enxergar outros carros, ciclistas e pedestres que estejam no campo da visão periférica. Porém, se a doença foi diagnosticada de forma precoce, é provável que o paciente possa continuar dirigindo, principalmente se não apresentar perda significativa no campo visual. A descoberta prematura do problema possibilita que o oftalmologista indique um tratamento apropriado, desacelerando a progressão da doença. É importante que o portador de glaucoma perceba suas limitação, quando for necessário dirigir, e peça ajuda com o intuito de preservar a segurança de todos, nas ruas e estradas, inclusive a dele. Alguns sinais podem ser percebidos, apontando para o momento de parar de dirigir e buscar apoio:
• No caso de perda da visão lateral, pois dificulta a visão e a reação imediata, no caso de obstáculos na estrada/rua;
• Sensibilidade à luz, quando o condutor leva mais tempo para se acostumar com a luz do sol ou o brilho dos faróis à noite;
• Quando a visão fica turva, por ser complicado perceber imagens claras e movimento. Como exemplo: uma pessoa atravessando a rua ou outros carros passando;
• No caso de acidentes, é sempre importante reavaliar a capacidade de dirigir com segurança.
Degeneração macular relacionada à idade:
Doença degenerativa que afeta a mácula e acomete pessoas com mais de 50 anos; dentre os vários fatores de risco, a idade é o mais forte. A principal causa de diminuição de campo visual em idosos é o glaucoma. Nas formas avançadas, os pacientes podem apresentar graves disfunções na visão central. Dentre os sintomas os mais comuns estão: embaçamento da visão central, distorção da imagem e visão reduzida, podendo levar a uma mancha central e a uma importante perda da visão. Porém, as condições para um paciente com glaucoma dirigir vão depender do grau de perda de campo visual e da baixa visão periférica. Estudiosos analisaram a relação entre a visão periférica e o desempenho de motoristas e foi observado que há uma significativa associação entre a perda da visão periférica e a quantidade de acidentes.
Retinopatia diabética:
No caso de uma complicação do diabetes mellitus, que atinge 3% da população brasileira, e junto com o glaucoma e a catarata, e representa uma das principais causas da cegueira em todo o mundo. A doença pode ser um fator impeditivo, definitivo, para dirigir. Isso acontece no caso da evolução da doença e significativa agressão ocular. A fotocoagulação (PRP) é o tratamento com potencial de diminuir a perda visual severa na retinopatia proliferativa diabética, quando relacionado à redução do campo visual. O exame oftalmológico anual é de grande importância para que o especialista detecte a doença que está interferindo na dire- ção veicular. Outras condições comuns em pessoas idosas podem ser relacionadas aos acidentes de trânsito, como: doenças pulmonares e cardiovasculares; doença cardíaca isquêmica; arritmias; apneia do sono; doenças neurológicas; AVC; Mal de Alzheimer; Mal de Parkinson; neuropatias; convulsões; polifarmá- cia; artrites; hipertensão e o uso de álcool. A presbiopia, ou vista cansada, que afeta o indivíduo por volta dos 40 anos, também pode ser um problema para quem dirige. Por isso, o oftalmologista orienta sobre a necessidade do uso do óculo para dirigir; neste caso é especifico para enxergar de perto. Para o idoso, parar de dirigir não deve estar relacionado à idade, mas às condições físicas e psicológicas. Tanto o motorista quanto a família devem observar sinais de perigo na prática da atividade; se o idoso sempre bate o carro, tem dificuldades para estacionar, passa pelo sinal vermelho por não distinguir as cores, é preciso buscar a ajuda de um especialista. A direção veicular torna o idoso integrado à família, à sociedade e conectado com o mundo. Um bom caminho é estimulá-lo e deixá-lo motivado. Caso sempre sejam apontadas as limitações, pode haver um problema de baixa autoestima e pode causar depressão, acelerando o processo degenerativo e a desarmonia interna.